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domingo, 22 de janeiro de 2012

Outro Alguém

É estranho eu me tornar alguém que sempre odiei. Todos os dias, olhar no espelho é algo insuportável, não consigo engolir minha imagem, digeri-la e sorrir.

Todas as vezes tento recusar que nunca odiei aquilo, ou a mim mesma, e tudo que se envolve por trás de ser ou não ser alguém.

"Caroline, vamos sair." Alguém, um daqueles que odeio, me diz suave, pelo telefone, ou aparecendo em minha janela. Não quero, não quero, não quero!

"Tá. Já vou sair."

E então vagar por aí. Fumar cigarros que me dão asco, beber bebidas baratas e dançar musicas repetitivas. No final das contas, todos sentados na sarjeta, vomitando, lamuriando, chorando, rindo feito babuínos. Todos juntos, tudo ao mesmo tempo. E depois de algumas horas, todos se metem em alguma casa, fumam alguma coisa, injetam outra, cheiram isso e aquilo, e cada um vai pro seu próprio mundo de merda. E eu também. Mesmo que eu odeie, eu estou lá, atirada no chão, no vomito, no meu próprio desgosto.

É triste pensar que acabei me tornando o que eu sempre mais odiei. É triste pensar que voltar, no final das contas, é impossível. Eu nunca vou deixar de ser esse alguém que não sou eu. Esse alguém que me tornei por você.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Conto de Ninar

Um sonho anda atormentando minha cabeça nos últimos dias. No começo estou me observando dormir. A luz da manhã entra pelas frestas da cortina, iluminando minhas paredes azuladas. Estou deitada de uma forma que parece desconfortável, meio torta, com a cabeça posta pra trás. Mas durmo em um sono tranquilo. Vestida com uma blusa preta e calcinha da mesma cor, me mexo até me ajeitar em uma posição normal, de barriga pra baixo. Me assistir ali é incomodo. Me sinto incomodada por me ver dormir. Isso me da um impulso de gritar:

- ACORDE!

A voz que sai de minha boca, não é minha, e eu, na cama, acordo de um salto, assustada. Agora, não sou mais a plateia de meu sono, e estou de volta ao meu corpo. Rodeio meu quarto com os olhos, observando cada canto, procurando pela voz. Nada. Me levanto, muito rápido, fico tonta, a visão foca preta por uns instantes e então tudo volta ao normal.

Vou andando pelo corredor em direção a sala, a casa parece um pouco diferente do habitual. Isso não me incomoda. As cortinas da sala estão fechadas, e vejo meu pai, sentado de costas pra mim, assistindo televisão. “Vendo”, pois há só estática ali. Chamo por ele varias vezes. Não sei se é minha voz que não funciona, ou se ele não me responde, não há som nenhum na casa depois do grito que me acordou. 

De novo, minha percepção do sonho muda, e meus olhos estão na televisão. Como se eu fosse a televisão assistindo meu pai. E ele está coberto de sangue, com a barriga aberta e suas tripas caídas no carpete branco da sala. A boca aberta, e os olhos arregalados, fixando o olhar em mim... Digo, na televisão. Me vejo logo atrás de meu pai, indo em sua direção, vendo meus lábios se moverem mas não há nenhum som. E então meus olhos voltam pro meu corpo. Inconscientemente, já sei o que vou ver, então dou um passo pra trás. A curiosidade, a maldita, é maior. Corro até meu pai, toco-lhe o ombro e ele cai de lado, com as tripas gotejando o chão, a língua caindo fora da boca, numa mistura de sangue e saliva. Ele fede. Os olhos vidrados.

Saio correndo, e mesmo que me lembre que chão de madeira da minha casa ser muito barulhento, nem um som é feito. Meus gritos, meu choro desesperado é inaudível. Correndo pelo corredor, entro no quarto de minha irmã, quase que pra fugir da realidade. Ela só tem cinco anos e seu quarto é coberto por castelos, coisas de princesa e contos de fadas. Assim que fecho a porta, e olho para o centro do quarto, pendurada pelo lustre que imitava aqueles de medievais, esta ela, enforcada, roxa. Assim como as pernas dela, penduradas, fracas, sinto as minhas amolecer. Seus olhos se fixam no meu, assim como os de meu pai na televisão. Seu pequeno corpo balança morbidamente. 

Recupero a minhas pernas e esticando a mão tremula, abro o trinco da porta que imitava um grande diamante. Me arrasto pelo corredor até sentir que podia correr novamente. Minha mãe. Corro para o quarto dos meus pais, abro a porta um pouco temerosa, mas não há nada. A cama está feita. As janelas estão com a cortina aberta, e o sol banha o quarto. É a primeira vez que eu vejo o sol, depois de acordar. Agora eu lembro, linha mãe nunca esteve em casa. Eu não tenho mãe. Corro de volta até o corredor. Um silêncio mortal. Exite uma sombra no final do corredor, parece olhar pra mim mas não se move. Desço as escadas correndo e atravesso a porta da frente, e olho pra rua. Não existe nada a não ser uma rua reta e infinita de chão batido, onde era pra afinal ter uma rua movimentada. Me sinto nua. Isso não está certo.

- ACORDE!

E estou de volta na cama. 

A flor

Então, lá estávamos nós, como sempre. Andando de mãos dadas pelas ruas de trás da avenida, onde provavelmente não encontraríamos ninguém. Eu ria o tempo todo das piadas sem graça que você fazia, dividindo tridente de melancia, e eu, como boa apaixonada, sempre com uma música de trilha sonora na cabeça. 

Faz tanto tempo...

Eu pedia pra você me levar até em casa, mas lembro de que foram incontáveis as horas que ficávamos sentados na calçada da rua de trás para ficar conversando, trocando beijos, sorrisos e frases idiotas. Era puro coração, era alma. Até acho que teríamos dado certo, olhando para trás. Minha independência era mais forte que tudo, e um pouco do teu orgulho e nossas solidões misturadas. Mas isso já não importa mais, é tudo passado.

Já se passaram dez anos.

Lembro do dia que estávamos debaixo de uma árvore, aquela das flores cor de rosa, tão lindas na primavera. Você resolveu que queria me dar uma, mesmo eu já sendo sua, e pulou para puxar o galho. Infeliz foi que o graveto que quase me cegou, e arranho meu rosto. Eu não sabia se ria ou me preocupava por poder ter ficado cega (mais isso eu estava só de amor). Você me pedindo mil perdões, beijando meu rosto, a flor caída no chão no desespero de eu quase ter perdido um olho.

E a flor ficou lá. E com o tempo, o amor também. Não é culpa de ninguém, só do tempo.