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sábado, 25 de agosto de 2012

Convivência

[...] Chegou em casa, tirou seus sapatos e colocou seus óculos em cima da mesinha da sala. Coçou a barba e se olhou de relance em um pequeno espelho que tinha na parede perto da porta. Seus olhos verdes se encontraram no espelho e sentiu uma sensação estranha de não ser ele mesmo. Com a mão na barba fixou-se naquele homem, analisando sua camiseta preta, os cabelos desgrenhados e a pinta na testa. Não parecia ter 45, qualquer um daria pra ele no máximo uns 38 anos.

"Pai?" Ele levou um susto ao ver Sarah no corredor dos quartos olhando pra ele enquanto segurava um caderno e uma caneta. "Você tá bem? Tá se olhando nesse espelho a pelo menos cinco minutos." Ficou o encarando, sem sorrir, mas pelo tom de voz não estava séria, só curiosa.

"Ah, eu estou bem sim, meu doce."  Riu, meio nervoso, pois também não tinha ideia porque tinha se perdido na sua própria imagem no espelho. Deu mais uma olhada de relance e tirou a mão da barba, colocando nos bolsos das calças jeans escuras. "Onde está sua mãe?" Voltou a olhar Sarah, que mordiscava a caneta olhando para seu caderno. "Para de morder essa caneta, ou vai acabar com a boca cheia de tinta..."

            "Tá, tanto faz" Tirou a caneta da boca revirando os olhos pro teto "Ela foi comprar uns tecidos e agulhas e não sei o que, que disse que precisava para um novo projeto ou tanto faz. Só queria saber se o almoço vai sair ou vou ter que comer miojo de novo." [...]

segunda-feira, 19 de março de 2012

"São longuinho, São Longuinho..."

Sabe quando você perde alguma coisa importante? Sempre acontece quando você mais precisa dela. 

As chaves do carro quando seu chefe liga de emergência. O controle da TV quando passa aquele comercial irritante. Seu celular quando precisa ligar à alguém. Sua caixa de remédios. É Ele. Está sempre fazendo de tudo pra irritar você. Você pode rezar pra quem quiser, mas não vai achar o que precisa até Ele devolva ao exato lugar onde você tinha deixado antes. Só vai voltar se Ele quiser. As vezes, quando você pedir para uma pessoa te ajudar, a coisa vai estar lá no lugar onde você olhou doze vezes. Só pra te deixar louco.

Mas peço de coração pra não deixar de procurar, porque Ele gosta de brincar. Se você não procurar até ele decidir ser a hora de parar de jogar, Ele pode ficar irritado. Ele pode tirar coisas mais importantes de você.

 Faz dois anos que perdi minhas chaves; não liguei, tinha uma cópia extra. Depois foram os óculos; fiz outro. Algum tempo depois perdi o carro no estacionalmento do carro, mas achei que não tinha muito a ser feito, deixei para lá.

Minha filha está desaparecida a dois anos. Mas não importa quanto eu procure, sei que Ele não irá devolver.

Essa é a minha punição. 

quinta-feira, 15 de março de 2012

O começo do fim

De longe, eu vi o mundo inteiro cair aos pedaços. Eu vi toda a humanidade que ainda existia se deteriorar, aos poucos. Na verdade, aos muitos. A população tinha diminuído a poucos milhares, e da minha janela, do oitavo andar, eu observa os prédios caídos, as almas rastejando pelas estradas.

Eu não sabia que era tão difícil se sentir impotente de fazer algo pelos outros, afinal de contas. Olhar e observar o mundo acabar, era tudo que estava ao meu alcance.

Há ainda algumas estruturas de pé por perto,e há alguém no topo de um desses prédios, que agora eram apenas como esqueletos tentando se manter de pé. Na ponta do terraço, de pé, olhando pra baixo. Eu conseguia sentir como era difícil a ideia de terminar logo com aquilo, pois eu mesmo já tinha pensado em morrer varias vezes. A luz do sol é forte demais que quase cega, o calor é insuportável, a comida acabando, água... dizem que água não tem gosto, mas é um sabor que eu sinto falta.

Mas o pior de tudo é se manter sozinho, porque querendo ou não, depois de um tempo, se você não morre primeiro, você acaba sozinho. Feito eu, e feito o ser humano suicida do terraço.

Eu poderia, talvez acenar e dar sinal avisando que eu estava ali, e que ele ou ela poderia contar comigo. Que talvez fosse nosso destino ficar juntos, conviver e aprender a amar de novo. Mas eu realmente não posso. Minha comida é pouca, e eu morreria mais cedo se "sustentasse" mais alguém. Então eu tenho que ficar quieto, e sozinho, porque é o melhor pra mim.

Provavelmente para ele também.

Então ele pula, e aqueles poucos segundos parecem milênios, séculos. Provavelmente essa desordem de tempo na minha cabeça é pelo sono e exaustão. Mas eu consigo sentir toda agonia, e por fim alivio daquele ser magro esmagado no concreto frio da rua. Porque a gente sente a mesma coisa, no fim do mundo. Todo mundo, o pouco do mundo, é igual. 

Desumano; desnutrido; desalmado.

Talvez eu devesse me matar também. Mas seria desperdício as 3 garrafas d'água que ainda me restam e as poucas latas de feijão que eu consegui. Então eu sigo olhando pela janela, tentando me aliviar na dor dos outros.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Eras

Três dedos de vodka 'num copo de plástico, e depois
na garganta.
Tem um tanto de gente por aqui,
tem um tanto de fumaça irritando meu olho.
Barulho.
Não consigo me lembrar como eu parei neste sofá sujo,
mas é evidente que tem algo a ver com o gosto amargo na minha

minha garganta.

Arranhando o céu
sem estrelas;

da boca
tua/minha boca.

Mas me deixa dormir umas horas e-
Algumas Eras.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Outro Alguém

É estranho eu me tornar alguém que sempre odiei. Todos os dias, olhar no espelho é algo insuportável, não consigo engolir minha imagem, digeri-la e sorrir.

Todas as vezes tento recusar que nunca odiei aquilo, ou a mim mesma, e tudo que se envolve por trás de ser ou não ser alguém.

"Caroline, vamos sair." Alguém, um daqueles que odeio, me diz suave, pelo telefone, ou aparecendo em minha janela. Não quero, não quero, não quero!

"Tá. Já vou sair."

E então vagar por aí. Fumar cigarros que me dão asco, beber bebidas baratas e dançar musicas repetitivas. No final das contas, todos sentados na sarjeta, vomitando, lamuriando, chorando, rindo feito babuínos. Todos juntos, tudo ao mesmo tempo. E depois de algumas horas, todos se metem em alguma casa, fumam alguma coisa, injetam outra, cheiram isso e aquilo, e cada um vai pro seu próprio mundo de merda. E eu também. Mesmo que eu odeie, eu estou lá, atirada no chão, no vomito, no meu próprio desgosto.

É triste pensar que acabei me tornando o que eu sempre mais odiei. É triste pensar que voltar, no final das contas, é impossível. Eu nunca vou deixar de ser esse alguém que não sou eu. Esse alguém que me tornei por você.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Conto de Ninar

Um sonho anda atormentando minha cabeça nos últimos dias. No começo estou me observando dormir. A luz da manhã entra pelas frestas da cortina, iluminando minhas paredes azuladas. Estou deitada de uma forma que parece desconfortável, meio torta, com a cabeça posta pra trás. Mas durmo em um sono tranquilo. Vestida com uma blusa preta e calcinha da mesma cor, me mexo até me ajeitar em uma posição normal, de barriga pra baixo. Me assistir ali é incomodo. Me sinto incomodada por me ver dormir. Isso me da um impulso de gritar:

- ACORDE!

A voz que sai de minha boca, não é minha, e eu, na cama, acordo de um salto, assustada. Agora, não sou mais a plateia de meu sono, e estou de volta ao meu corpo. Rodeio meu quarto com os olhos, observando cada canto, procurando pela voz. Nada. Me levanto, muito rápido, fico tonta, a visão foca preta por uns instantes e então tudo volta ao normal.

Vou andando pelo corredor em direção a sala, a casa parece um pouco diferente do habitual. Isso não me incomoda. As cortinas da sala estão fechadas, e vejo meu pai, sentado de costas pra mim, assistindo televisão. “Vendo”, pois há só estática ali. Chamo por ele varias vezes. Não sei se é minha voz que não funciona, ou se ele não me responde, não há som nenhum na casa depois do grito que me acordou. 

De novo, minha percepção do sonho muda, e meus olhos estão na televisão. Como se eu fosse a televisão assistindo meu pai. E ele está coberto de sangue, com a barriga aberta e suas tripas caídas no carpete branco da sala. A boca aberta, e os olhos arregalados, fixando o olhar em mim... Digo, na televisão. Me vejo logo atrás de meu pai, indo em sua direção, vendo meus lábios se moverem mas não há nenhum som. E então meus olhos voltam pro meu corpo. Inconscientemente, já sei o que vou ver, então dou um passo pra trás. A curiosidade, a maldita, é maior. Corro até meu pai, toco-lhe o ombro e ele cai de lado, com as tripas gotejando o chão, a língua caindo fora da boca, numa mistura de sangue e saliva. Ele fede. Os olhos vidrados.

Saio correndo, e mesmo que me lembre que chão de madeira da minha casa ser muito barulhento, nem um som é feito. Meus gritos, meu choro desesperado é inaudível. Correndo pelo corredor, entro no quarto de minha irmã, quase que pra fugir da realidade. Ela só tem cinco anos e seu quarto é coberto por castelos, coisas de princesa e contos de fadas. Assim que fecho a porta, e olho para o centro do quarto, pendurada pelo lustre que imitava aqueles de medievais, esta ela, enforcada, roxa. Assim como as pernas dela, penduradas, fracas, sinto as minhas amolecer. Seus olhos se fixam no meu, assim como os de meu pai na televisão. Seu pequeno corpo balança morbidamente. 

Recupero a minhas pernas e esticando a mão tremula, abro o trinco da porta que imitava um grande diamante. Me arrasto pelo corredor até sentir que podia correr novamente. Minha mãe. Corro para o quarto dos meus pais, abro a porta um pouco temerosa, mas não há nada. A cama está feita. As janelas estão com a cortina aberta, e o sol banha o quarto. É a primeira vez que eu vejo o sol, depois de acordar. Agora eu lembro, linha mãe nunca esteve em casa. Eu não tenho mãe. Corro de volta até o corredor. Um silêncio mortal. Exite uma sombra no final do corredor, parece olhar pra mim mas não se move. Desço as escadas correndo e atravesso a porta da frente, e olho pra rua. Não existe nada a não ser uma rua reta e infinita de chão batido, onde era pra afinal ter uma rua movimentada. Me sinto nua. Isso não está certo.

- ACORDE!

E estou de volta na cama. 

A flor

Então, lá estávamos nós, como sempre. Andando de mãos dadas pelas ruas de trás da avenida, onde provavelmente não encontraríamos ninguém. Eu ria o tempo todo das piadas sem graça que você fazia, dividindo tridente de melancia, e eu, como boa apaixonada, sempre com uma música de trilha sonora na cabeça. 

Faz tanto tempo...

Eu pedia pra você me levar até em casa, mas lembro de que foram incontáveis as horas que ficávamos sentados na calçada da rua de trás para ficar conversando, trocando beijos, sorrisos e frases idiotas. Era puro coração, era alma. Até acho que teríamos dado certo, olhando para trás. Minha independência era mais forte que tudo, e um pouco do teu orgulho e nossas solidões misturadas. Mas isso já não importa mais, é tudo passado.

Já se passaram dez anos.

Lembro do dia que estávamos debaixo de uma árvore, aquela das flores cor de rosa, tão lindas na primavera. Você resolveu que queria me dar uma, mesmo eu já sendo sua, e pulou para puxar o galho. Infeliz foi que o graveto que quase me cegou, e arranho meu rosto. Eu não sabia se ria ou me preocupava por poder ter ficado cega (mais isso eu estava só de amor). Você me pedindo mil perdões, beijando meu rosto, a flor caída no chão no desespero de eu quase ter perdido um olho.

E a flor ficou lá. E com o tempo, o amor também. Não é culpa de ninguém, só do tempo.